sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O paradoxal “keynesianismo financeiro neoliberal”

O crédito, segundo Marx, não é senão antecipação de mais-valia futura, antecipação à qual tem de se seguir a correspondente valorização real do capital. As bolhas financeiras são exatamente a falta da base real da valorização do capital especulativo, que se dá numa dinâmica de lucro rápido. Este processo encontra seu limite através dos seus efeitos inflacionários que atravancam o crescimento econômico. A aceitação da ideologia neoliberal por parte dos Estados Nacionais é simplesmente a homologação de uma sistemática financeira desregulada. Já a questão de intervenção estatal sobre as contradições que trazem os novos paradigmas do sistema econômico não são de modo algum diretamente salutares ao seu funcionamento nem possíveis, pois a estatização da crise leva apenas a um desvio de seus prejuízos, que irão ser absorvidos sem perspectiva de ressarcimento posterior, pois o dinheiro foi aplicado sobre a especulação de capital fictício. O discurso neoliberal se vê, assim, paradoxalmente exigindo o apoio estatal que não deve se importar com os déficits públicos e a taxa inflacionária. Sua contenda deve ser mediada por um administrador nacional da crise que em muitos pontos torna-se gestor anti-social, fazendo-se assim uma dolorosa genuflexão às vontades patronais. Podemos notar esse lado do discurso econômico quando nos detemos à questão dos bilhões dos pacotes de salvamento para evitar o colapso do sistema de crédito, que contém um enorme potencial inflacionário, sem qualquer perspectiva social. Por outro lado, não podemos concluir que essa intervenção estatal irá se enveredar a uma política de provimento de bens indivisíveis e de assistência ao desenvolvimento socioeconômico geral. A política de "Keynes" não irá além de uma reorganização da estratégia neoliberal; a tomada das rédeas da crise pelo Estado, de forma simplificada, poderá agravar o quadro de pobreza, que irá chegar a níveis qualitativamente novos dentro do cenário do primeiro mundo. O ponto crítico poderá vir a ser atingido quando a contaminação geral atingir os setores de serviço financiados pelo capital fictício. Destarte, a crítica de Robert Kurz pode ser encarado com um tom de relutância em face da incerteza que paira sobre o futuro do capitalismo e o futuro do mundo: “É uma idéia sobretudo embaraçosa pensar que a face do capitalismo se há de humanizar justamente sob a pressão do colapso financeiro e da conjuntura econômica em queda. A crise da economia mundial não terá happy end.”

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

"Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar." Bertolt Brecht (1889-1956)
"Aprendemos poucas coisas com a história, exceto quanto ao fato de que as ideias se condensam em um sistema de ortodoxia, os poderes em uma forma hierárquica e o que pode dar nova vida ao corpo social enrijecido é, tão-somente, o hálito da liberdade, que entendo seja aquela inquietação do espírito, aquela aborrecimento diante de todo conformismo e que requer abertura mental e energia de caráter."
Norberto Bobbio (1909-2004)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

SISTEMAS CONSTITUCIONAIS DE MATRIZ AMERICANA

Por Douglas Pinheiro e Yure Tenno
“Nós, o Povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a Justiça, assegurar a tranqüilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.” (Preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos da América) 1. Apresentação A figura habitual de um cidadão americano carregando com orgulho a bandeira de seu país ou expondo-a na fachada de sua casa é o estereótipo que o mundo tem de uma expressão de patriotismo com raízes muito complexas e profundas. Quando as treze colônias britânicas resolveram unir-se na busca de um ideal comum que exaltava a liberdade e o rompimento com os laços do sistema do Velho Continente, que refletisse seus ensejos do presente e fosse ao mesmo tempo símbolo de esperança para o futuro, não encontraram idéia que melhor lhes coubesse do que a de passar suas expectativas para o papel: a Carta Magna, tal como a Bíblia para alguns, assume lugar de prestígio na vida do virtuoso cidadão americano. Seu texto fundamental consta de sete artigos, divididos em secções. Agregados estão dez aditamentos sobre os direitos e garantias fundamentais (o Bill of Rights) e outros dezesseis acrescentados à Carta no decorrer de sua vida nos séculos XIX e XX. Mas o que torna esse texto de mais de 200 anos tão importante para a história humana é o conteúdo construído dentro do processo histórico mesmo; conteúdo esse que resguarda diretrizes e valores que iriam orientar toda a geração das formas estatais modernas como as conheceram. Três aspectos tomam maior vulto frente às demais formas organizacionais do Estado Americano, são eles: o federalismo, o controle constitucional e o presidencialismo, a serem analisados ao longo deste trabalho.
2. O modelo federalista americano À luz do pensamento de K.C.Wheare, “uma definição de estado federal que não contivesse os Estados Unidos deveria considerar-se irreal” (Federal government, Oxford, 1946). O dicionário Aurélio define o federalismo como uma “forma de governo pelo qual vários estados se reúnem numa só nação, sem perderem sua autonomia fora dos negócios de interesse comum”. A partir de tal definição, podemos formular um entendimento germinal do que vem a ser o estado federal. Mas, dentro de uma linha de pesquisa mais percuciente sobre o modelo americano, poderemos notar que seu federalismo constitucional não é de tão fácil dedução: pelo contrário, se constrói dentro de embates doutrinários e reticuladores. É só através do processo histórico que conseguimos enxergar as condições materiais em que se vai construindo o feitio do estado norte-americano, mas, decididamente, após a Guerra Civil, podemos vislumbrar algumas particularidades desse modelo: a) União – e não simples “liga” ou “associação” – de estados autônomos – mas não independentes nem soberanos – com o objetivo de prosseguir fins comuns, inscritos aliás liminarmente no “Preâmbulo” constitucional (estabelecimento da justiça, segurança, da tranqüilidade doméstica, defesa comum, promoção do bem-estar geral, garantia das “bênçãos de liberdade” para todas as gerações); b) Divisão “vertical” dos poderes políticos, com poderes explícitos federais e poderes implícitos com “fim legítimo”, como se conclui no USSC (caso McCulloch vs. Marilândia, 1819) e poderes residuais estatais (cf. 10º aditamento); c) Atuação direta e eficaz dos estados, nos seus precisos limites territoriais; d) Previsão e garantia de autogoverno estadual, com a criação de legislativo, executivo e judicial próprios; e) Larga autonomia legislativa dos estados, sobretudo em matérias de relações individuais, mas também em campos sensíveis como o direito penal (que ainda hoje origina a assimetria na abolição da pena capital e a necessidade de acordos de extradição interestaduais); f) Participação decisiva dos estados no procedimento de emenda constitucional (artigo 5º) e na ratificação da Constituição original (artigo 7º); g) Manutenção, pelo estados, de um poder político próprio e originário (isto é, não derivado nem delegado), traduzido na posse de leis fundamentais próprias, em alguns casos anteriores à própria Constituição federal; h) Supremacia dos órgãos soberanos de governo nacional (artigo 7º) i) Necessidade de conformação das normas estaduais à Constituição material da Federação; j) Possibilidade – teorizada desde o “caso Marbury” – de anulação pelo Supremo Tribunal Federal, sem apelo nem agravo, de legislação estadual considerada inconstitucional. (Nuno Rogeiro, Estudo sobre o sistema constitucional dos Est.Unidos, pp.119-120) Como podemos notar, as repartições das competências, a exemplo da delegação da representação internacional e soberania por parte da União e da larga autonomia dos estados em matéria de constituição de tribunais estaduais e etc, são pontos fundamentais para a construção de um federalismo, mas no decorrer do processo histórico, nota-se uma crescente concentração de faculdades deliberativas centradas nas mãos da União. Esse fenômeno pode encontrar explicação quando salientadas três razões: a) Exigência de eficácia funcional, derivada do aumento técnico de poderes do estado nacional, e verificação dos obstáculos ou ineficiência da atividade governamental nas unidades federadas, em muitos casos emergentes; b) Exigência de eficácia dimensional, que verificou que certas normas necessárias ao bem comum só se tornavam atuais quando aplicadas em todo o território da União, obrigando a criação de agências federais e de leis uniformes (o New Deal foi um exemplo); c) Exigência de eficácia internacional da Federação, sobretudo quando esta se começou a definir como superpotência capaz de intervir para além do hemisfério, obrigando ao fortalecimento de instituições e diretivas do poder nacional interno. (Nuno Rogeiro, op. cit. , p. 124) O doutrinador Nuno Rogeiro expõe que esta evolução “unionista” deu-se através de aditamentos, como o 14° e o 16°, sob a égide da teoria dos poderes implícitos ou por “chantagem assistencial”, uma concessão condicional de ajuda econômica federal aos Estados, mediante requisitos que podem passar pela adoção de normas específicas.
2.1. Bicameralismo como integrante obrigatório do sistema de governo federalista
“Quem quer que encare uma organização federal não mais pode deixar de conceber as instituições legislativas senão sob a forma de duas assembléias, sendo a representação dos federados igualitária em uma e proporcional na outra, à imagem do Senado e da Câmara dos Representantes” (Maurice Duverger, Os regimes Políticos). O texto supracitado de Duverger faz referência à organização legislativa criada pela Constituição americana de 1787, fruto de um “impasse” originado no decurso de sua construção. Os estados presentes à Convenção apoiaram o plano da Nova Jérsia, segundo o qual cada parte federada estabelecia uma representação fixa. Os estados grandes eram favoráveis a uma representação proporcional, como preferia a Virgínia. O acordo veio com o bicameralismo. Mas o sucesso desse sistema deriva, muito provavelmente, da criação do mecanismo de “checks and balances” intra-funcional. Em “The Federalist”, de Alexander Hamilton, o que ficou assente foi um Senado instituído pelos constituintes com o intuito de conter os ímpetos, por vezes “antidemocráticos”, da Câmara dos Representantes e, assim, funcionar como entidade moderadora dentro do órgão legislativo. Nuno Rogeiro chega a concluir a idéia de Madison dizendo que “o Senado, com mandatos mais longos, daria assim estabilidade ao congresso, representaria a essência da Federação e serviria de freio à eventual demagogia republicano-jacobina.” (Nuno Rogeiro, op. cit.).
3. O poder judicial e o Supremo como guardião da vontade geral A idéia de que o poder judicial é o guardião do espírito constitucional vem muito bem formulada nesta passagem do livro “The Federalist”: “Todavia, esta conclusão não deve significar uma superioridade do judiciário sobre o legislativo. Somente supõe que o poder do povo é superior a ambos e que, sempre que a vontade do legislador, traduzida nas suas leis, se opuser à do povo, declarada na Constituição, os juízes devem obedecer a esta, não àquela, pautando sua decisão pela lei básica, não pelas ordinárias”. Em 1803, o famoso caso Marbury vs. Madison fez o então juiz presidente Marshall estabelecer o marco doutrinário sobre o princípio de constitucionalidade que fez do Supremo Tribunal não só o ente de função decisória sobre litígios que concorrem embasados em documentos legais, como também fiscalizador desses documentos, avaliados, assim, à luz da Carta Constituinte de 1787, instituindo-se o esteio do controle constitucional: “Marshall profere então a sua interpretação das funções do Supremo ao analisar o caso. Começa por dizer que a função primeira da Constituição é a de enumerar, limitando-os, os poderes do Governo. E essa limitação só é eficaz se a Constituição se erguer acima das leis ordinárias formuladas por um dos ramos do Governo. E, sendo, por essa lógica, uma lei superior, terão de se invalidar os atos inferiores que a contrariem ou desrespeitem. A função dos tribunais é a de esclarecer o alcance das normas e aplicá-los aos casos concretos. (...) cabe ao Supremo Tribunal a revisão judicial de casos que possam advir de um choque ou dúvidas entre a lei fundamental e normas inferiores”.
4.O presidencialismo
O modelo de organização do poder proposto pela Carta Magna americana possui a prerrogativa de ter-se inspirado em moldes ideológicos já muito difundidos no contexto europeu e, mais do que isso, por ter aperfeiçoado antigos sistemas na tentativa de sanar seus vícios. Nessa perspectiva, a moderna separação dos poderes, proposta por Montesquieu, surge em consonância com a invenção do presidencialismo: se até então o exercício das funções executiva e legislativa dava-se por mútua dependência e influência, a partir de 1787 a ciência política assiste à ascensão de um sistema de poder cuja constituição – pelo menos teoricamente – defesa tal ato. Para quem vinha acompanhando o modelo inglês, era realidade quase inconcebível desligar-se de símbolos como o rei ou a assembléia no comando de um poder central representante das até então treze colônias, assim como havia o temor pelo abuso de poder do primeiro e pelos atos ludibriosos do segundo. Os constituintes americanos souberam “equilibrar os pratos da balança” ao concederem a chefia do executivo a um homem, no papel de líder, que pudesse ser fiscalizado pelos parlamentares, refletidos por todo um sistema de representação democrática. Há muito que se questionar acerca do fato de a governabilidade acabar comprometida quando a separação dos poderes é levada ao pé-da-letra, numa situação em que o presidente e parlamentares não entram em consenso, mas esta muitas vezes é uma questão meramente partidária e que pode ser resolvida quando da boa administração do “jogo político”: a distinção mais nítida de funções dá-se principalmente no âmbito da proteção jurídica para os dois lados, não podendo o presidente ser derrubado (exceto por processo criminal de impeachment), nem o parlamento dissolvido. Em suma, se pudermos comparar a figura do presidente com a de outros que exercem chefia de governo no mundo, notável será o fato de o modelo americano possibilitar um exercício muito mais autônomo e democrático do poder, escusando-se de vícios que outros sistemas deixam tão bem expostos. Nas palavras de Jorge Miranda, o modelo presidencialista é de “interdependência por coordenação: há diversos órgãos políticos que atuam com autonomia uns perante os outros nas suas esferas respectivas, mas que devem colaborar para a prática de certos atos preestabelecidos” (Manual de Direito Constitucional, Lisboa: Coimbra Editora, 1982, p. 136).
5. Conclusão Direito constitucional americano para os estadunidenses? O grande escrúpulo acerca do constitucionalismo americano é tentar conciliar a aceitação teórica de seu modelo como o mais apto a satisfazer os anseios republicanos com a pouca aplicabilidade integral do mesmo nos demais países do globo. De fato, embora boa parte da constituições da América Latina, por exemplo, acolha os princípios federalistas, presidencialistas e de controle judicial, o que se verifica é a prática política de apenas um ou alguns dos mesmos. Sem resquícios de dúvidas, há uma explicação histórico-cultural capaz de justificar tal obstáculo. Se nos remetermos ao velho continente europeu, será notório o fato de o presidencialismo lá não ter funcionado pelo secular temor de concentração de poderes na mão de um só homem: o modelo parlamentarista parece ter caído na preferência da população, ganhando ainda mais força com a formação de parlamentos internacionais como o da União Européia. Mesmo a França não aplica o presidencialismo a la americana, uma vez que o presidente, embora possuindo maiores poderes, tenha que conviver também com a figura de um primeiro-ministro. No tocante à América Latina, a herança histórico-cultural sobressai como empecilho ao estabelecimento de um sistema constitucional nos moldes do estadunidense. Seu passado de lutas contra colonizadores, a fragilidade econômica e o pluralismo partidário, reflexo de embates entre grupos, contribuíram firmemente para a construção de um cenário de instabilidade política. A inconstância das constituições – o Brasil é um típico exemplo – e o estabelecimento de regimes ditatoriais são apenas a “ponta do iceberg” de modelos que ensejam concentrar cada vez mais o poder nas mãos, sobretudo, do Executivo e, quando não o fazem, geram conflitos que provocam instabilidade e impedem a governabilidade. Acerca disso, a revista IstoÉ publicou reportagem que ilustra bem uma situação que vem se verificando no Brasil: “(...) com a imagem desgastada por seus próprios erros, o Legislativo vê a sua importância diminuída a cada dia. Executivo e Judiciário aproveitam-se da inoperância do Congresso para legislar em seu lugar. Acuado, o Congresso reage. Ao contrário do que prevê a Constituição, os Poderes da República hoje estão desequilibrados e desarmônicos. E, por conta disso, conflagrados.” IstoÉ, 26 Nov/2008, p. 40 Concluindo, podemos afirmar que teoricamente diversas nações seguem o modelo constitucional americano, mas a realidade prática parece sorrir apenas para os Estados Unidos. As circunstâncias históricas e políticas em que a carta de 1787 surgiu contribuíram para o desenvolvimento de um sistema que atendia muito mais às necessidades das treze colônias do que as de seus vizinhos latinos, povos europeus ou asiáticos. O novo nasceu numa terra de consciência política nova que soube libertar-se cedo das correntes de dominação e proclamar a liberdade de seus compatriotas. Enfim, o Direito constitucional americano parece ser para os estadunidenses.

Comentário crítico sobre o "Fim do Capitalismo Global - Arno Peters"

O desenvolvimento tecnológico, acumulado no processo de incremento das condições materiais de existência no decorrer da história, que levaram o Homem a profundas modificações no âmbito de intercâmbio entre seus semelhantes, está prestes a dar um novo salto no modo de divisão do produto social e nas relações entre os indivíduos.

A dinâmica do texto de Arno Perters em "Fim do Capitalismo Global" propõe uma nova forma de organização do sistema económico; apoiando-se na questão do trabalho, como único critério de retribuição/divisão/fruição do produto social, o autor mobiliza um raciocínio que visa direcionar, com o advento da globalização, a economia, hoje não-equivalente, a um patamar de equidade entre a produção e retribuição participativa desse produto.

Porém, Peters não compreende que, quebrando o critério de desproporcionalidade Trabalho-Capital, ele destroi a base que, junto com a propriedade privada, sustenta todo o sistema capitalista como conhecemos. Seu pensamento, assim, torna-se tão utópico como qualquer ideia que vise erradicar a polarização da miséria-abundância, pois se não existir a mais-valia a propriedade privada será totalmente inócua para o capitalismo.

Por fim, podemos contemplar de modo realista o pensamento de Perters quando, de uma ação em favor da divisão da riqueza (essa só possível dentro de uma realidade intervencionista estatal, já que a lógica do capitalismo é o lucro), sua base se torna menos exploratória e/ou através de uma atividade política que vise uma fomentação das vocações locais que permitam uma iniciativa de crescimento endógeno do próprio setor circunscrito, conseguindo destarte, uma aperfeiçoamento da acumulação difusa em perímetro limitado.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Atualidade de Marx na sociedade pós-moderna

O termo dos regimes do socialismo real, em fins do século XX, teria finalizado o que Marx teria a dizer a respeito de uma sociedade pós-moderna, tão pobre em utopias, assim como, individualista? A resposta, a nosso ver, pode vir negativamente se entendermos a base primordial do pensamento marxista, qual seja: a Emancipação Humana. O expediente pelo qual o pensamento de Marx envereda é o da revolução, tendo esta, cari de verdadeira emancipação política, que irá colocar no centro de dominação uma classe que represente o interesse de todas as classes, que assim, gradativamente, destrua o próprio carácter classista no seio social, assim, destruindo as instituições que servem para conservar esse carácter – dentre essas instituições está o próprio Estado. Destarte, podemos acentuar esse aspecto do pensamento de Marx através de Luciano Gruppi: “O objetivo que Marx quer alcançar, como partidário do comunismo, é a liberdade: não a justiça ou a igualdade, como às vezes se costuma dizer, mas a liberdade. A igualdade social é a condição para o mais amplo desenvolvimento da liberdade.” Angels também acrescenta: “O comunismo é a criação das condições para a libertação do homem.” O sonho do comunismo pôde ter se tornado o pesadelo do socialismo burocrático, mas as aspirações do pensamento que o originou estão, ainda, vivas. O que Marx um dia escreveu sobre a derrota da revolução de 1848 pode ser aplicado ao pensamento sobre seu comunismo no século XXI: “A Comuna está morta! Viva a Comuna.” A reincidência do pensamento de Marx pode ser explicada quando se entende que os desafios enfrentados por ele continuam sendo os do nosso tempo. O que se engendra em suas conclusões expostas em “A ideologia Alemã” são em parte defasadas, mas o caráter descritivo das reais formas de relações de produção dentro de um quadro, não só capitalista, mas, geral; sobre a declaração do aspecto classista do Estado, assim como, o comportamento da economia capitalista são marcos que trazem questões atualíssimas. Todos esses entraves que prendem a “Emancipação Humana” devem ser bem expostos àquele que pensam em transformar a sociedade. Marx vem como pedra angular para qualquer jovem idealizador que queira revolucionar aspectos de nossa sociedade, mesmo que queira seguir outro itinerário, posteriormente. Mas, a relação entre a emancipação e as atividades revolucionárias deve ser construída, como diria Marx, através de um entendimento sobre as condições materiais de existência que integram as relações de produção com as forças produtivas materiais; a questão ideológica; a forma mais centralizada e Burocrática do Estado; o alargamento da pequena-burguesia e etc., todos os elementos que contribuem para a formação de uma sociedade que não se reconhece como ente coletivo e afirmador de um discurso que seja a da libertação total de todos os atores sociais. “A questão poderia ser colocada do seguinte modo: nas condições atuais, não se exigiria dos que se pretendem marxistas uma nova concepção para a luta pela “Emancipação Humana”, uma nova concepção sobre a revolução social?” Por fim, podemos entender que o pensamento de Marx toma alcance máximo no pensamento do século XXI quando notamos a redescoberta do valor do indivíduo, que deve dentro da sociedade buscar – segundo Max – a realização de sua personalidade. Marx, em “O manifesto do Partido Comunista”, diz sobre o socialismo: “uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um será a condição do livre desenvolvimento de todos”. Os ecos de sua frase atravessam seu “pequeno mundo” do século XIX e vem a descrever precisamente os sonhos e aspiração da pós-modernidade. “A comuna está morta! Viva a comuna.”

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A família moderna

INFLUXOS NO MUNDO JURÍDICO O sistema jurídico caracteriza-se pela onipresença e completude; lacunas concernentes as normas jurídicas não atravancam seu mérito conglobante, pois os meios de integração servem exatamente como ferramenta de colmatagem. Não obstante, as rápidas transformações comportamentais vividas pela sociedade moderna desde o fim dos anos 60, com sua eclosão em 1968, ensejaram profundas mudanças na interpretação do direito, malgrado, a legislação não acompanhe com diligencia a dinâmica de transformação dessa realidade social. Torna-se relevante notar que a busca desses direitos configura-se com tal maturidade, penetrando profundamente no âmbito da experiência jurídica, que questões afloradas e eleitas na geração do chamado “baby boom” refletem em temas de discussão do judiciário hodierno. As relações entre homens e mulheres, conquistadas pelo movimento feminista, nascido em 70, não trouxeram mudanças apenas para as íntimas ligações de gênero. O modelo familiar e o lugar da criança na sociedade também mudaram totalmente. A libertação sexual levou ao questionamento do casal, das relações homo afetivas, de questões tutelares sobre os filhos, forçando a adaptação do fenômeno jurídico à demanda social. O ajuste jurisdicional as normas de comportamentos, até então, incomuns ao próprio ordenamento, vem preenchendo “vazios” à forma de como lidar com os conflitos que surgem na nova família, ainda não previstos nas leis. Há casos dessa natureza que tornam necessários a aplicação da hermenêutica , assim como, o bom senso, funcionando como “régua de Lesbos”¹, proporcionando à justiça ferramentas capazes de aplicação a casos, infelizmente , atípicos à legislação. Outrossim, os adventos tecnológicos segmentaram o formato do sociedade do séc. XXI, trazendo opções, e com elas o livre arbítrio e a capacidade de prevenção, p.ex. a pílula anticoncepcional, símbolo da ascensão feminista; o uso dos teste de DNA como prova legal de paternidade criou novas dúvidas para advogados e juízes na interpretação das leis. O aumento de 53% nas separações judiciais no período de 1995 a 2005 vincula questões imprescindíveis á aplicação justa do direito. Atualmente, há focos de controvérsias existentes em disputas que envolvem paternidade: quem deve ser considerado pai de fato, o biológico ou afetivo? Dessa simples indagação pode-se objetivar “dores de cabeça” quando processos tangentes a proposições como estas, que aparecem nos tribunais, deixando-os num impasse: – “O enteado entra com um processo pedindo pensão ao padrasto que já não vive com a mãe.” – “O filho pede indenização ao pai, há muitos anos ausente de sua vida, por abandono afetivo.” – “O pai biológico de uma criança e o homem que a criou de fato brigam legalmente por sua guarda.” Devemos ressalvar, no entanto, esforços á implantação de novos critérios, beneficiando a situação atual da família, na legislação brasileira. O novo Código Civil, em vigor desde 2003, define que a guarda das crianças, que antes era excelência da mulher, agora tem foco precípuo nas capacidades financeiras e emocionais de criá-las. Com isso, os homens encontram subsídios para pleitear a guarda. Todavia, a experiência jurídica envereda por caminhos inexplorados pela própria norma, visando um melhor favorecimento das partes litigantes, tendo como exemplo a guarda compartilhada, que não é amparado como figura jurídica, mas é opção adotada de muitos casais divorciados. Notando a patente necessidade de parâmetros de julgamento, juízes e advogados, iniciaram discussões que culminaram na criação do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam). A entidade estipulou como essencial o caráter afetivo, hoje consagrado entre a maioria dos juízes de família, em detrimento dos aspectos materiais. À luz dessa linha norteadora tornou-se possível à justiça tender a considerar pai, com seus direitos e obrigações, aquele que criou a criança, preterindo, assim, o pai biológico. Da reformulação dos paradigmas logrou outras vertentes da família brasileira: os casais formados por homossexuais. Os direitos dessas espécies de casais foram, até pouco tempo, privado do pleno uso e gozo, sendo revistos sobre o anglo afetivo, trazendo benefícios aos entes com relações estáveis dessa natureza. A capacidade legal de adoção e direito à herança do parceiro falecido configura avanços inerentes ao novo formato jurisdicional brasileiro. Isto posto, é de se notar que nosso moderno complexo legislativo ainda se encontra em faze preliminar no âmbito da família, considerando a rigidez do sistema em detrimento da dinâmica social, que forçado á generalização alonga-se, chegando a formas intempestivas ao próprio direito objetivado, prevalecendo apenas o bom senso do magistrado, que aos poucos organiza formas próprias de critérios concernentes aos casos concretos, visando o mínimo de abstração e positivação, e aos poucos vão abrindo passagem a seu dono da validade de fato, o código. Yure Tenno J. Pessoa, 22 de abril de 2008. _____________________________________________________________________________ ¹ Régua especial de que se serviam os operários para medir certos blocos de granitos, por ser feita de metal flexível que lhe permitia ajustar-se às irregularidades do objeto.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O paradigma do monismo e pluralismo jurídico

Com a ascensão da Burguesia e a formação do estado moderno, assim como todos os paradigmas sócio-econômicos e ideológicos atrelados a essa elementos moldadores das estruturas institucionalizadas que vem, em instância, a afirmar e conservar os fenômenos formadores do mesmo. O direito vem como uma das instituições mais compatibilizadas, em sua constituição, pelas estruturas formadoras da organização social em que está inserido. Poderemos ver assim um paradigma jurídico moldado nos princípios do monismo estatal, da estabilidade, da racionalidade, da certeza e da segurança jurídica. O que vemos no século XXI e fins do século XX é uma cultura jurídica em descompasso com as novas demandas do remanejamento econômico neoliberal, dos diversos influxos arrastados pela globalização e da importante complexidade política que tomou em nosso tempo os conflitos sociais; todos eles geradores de novas necessidades, principalmente dentro de uma estrutura sócio-política periférica, dependente e em parcial dissonância com a realidade definidora da cultura globalizante (ou aculturação) homogênea. Se submetermos o monismo jurídico estatal a uma análise cronológica, veremos que ele vem a se sedimentar quando, da consolidação da do burguês-capitalismo existe uma ruptura entre tal estrutura socioeconômica e política e o jusnaturalismo, pregador da igualdade, liberdade e fraternidade; assim o positivismo jurídico dogmático, alicerçado no racionalismo lógico-instrumental toma lugar como novo modelo a ser fremido como sistema jurídico de melhor caráter funcionalista, podendo-se, caracterizá-lo como sendo alicerçadas com o objetivo da certeza, exigibilidade, generalização, garantia do bem comum, expansão, uniformização e etc. Hoje se sabe que a função declarada (ou manifesta) das instituições político-jurídicas não é exercida, como bem salienta Wolkmer, quando diz que “o Direito burguês edificado em torno da concepção de Direito subjetivo e a crescente dificuldade de se definir, em contextos sociais estratificados e estruturalmente diferenciados, combinatórias exeqüíveis entre legitimidade política e eficácia normativa” ele toca na ferida do positivismo como instrumento ineficaz para seus próprios objetivos, volvendo-o, assim, para o que se poderiam dizer as funções latentes (ou reais) do positivismo, como sendo, o “direito” que protege os interesses dos mais fortes, que são apresentados, ideologicamente, como interesses gerais. Em relação à contestação do formato positivista podemos tomar duas referencias que podem intensificar as criticas ao direito-lei e sua posição negadora das fontes verdadeiramente legítimas do direito enquanto ente de concretização da justiça social, formada por suas necessidades históricas. Essa posição é defendida pela dialética social do direito, que pode ser traduzida pela fala de Roberto Lyra Filho: “A identificação entre Direito e lei pertence, aliás, ao repertório ideológico do Estado, pois na sua posição privilegiada ele desejaria convencer-nos de que cessariam as contradições. Que o poder atende ao povo em geral e tudo o que vem dali é imaculadamente jurídico, não havendo Direito a procurar além ou acima das leis.” (...) “Repara o leitor na arrogância com que todo governo mais decididamente autoritário repele a “contestação” (como se remodelações institucionais não fossem uma proposta admissível ‘e até parcialmente reconhecidas em lei’ – no caso das emendas constitucionais, por exemplo); na pretensão do poder que, cedendo à “abertura” inevitável, quer, depois, controlar o diâmetro, a seu gosto;...” “(...) a visão dialética precisa alargar o foco do Direito, abrangendo as pressões coletivas (e até, como veremos, as normas não-estatais de classe e grupos espoliados e oprimidos) que emergem na sociedade civil (nas instituições não ligadas ao Estado) e adotam posições vanguardeiras...” (Roberto Lyra Filho. Série: Direito achado na rua. P32) Esta posição é legitimadora dos movimentos sociais enquanto fontes, não de direito, mas de justiça e detentores da tutela dos direitos coletivos e difusos sendo surgida em meio a complexas contradições culturais e materiais de vida inerentes à sociedade. O repúdio ao legalismo exacerbado é o repúdio a forma vazia com que ele trata o direito, que, embora assinale suas vantagens, na prática intensifica-se a gradual perda de sua funcionalidade e de sua eficácia que entra em profunda contradição dentro de seu sistema garantidor de direitos subjetivos. “É por essa razão que se coloca a inevitável questão da crise desse modelo de legalidade”, acentua Wolkmer, que também declara: “O projeto jurídico positivista descartando as análises de domínio da prática política e das relações sociais, encastelou-se em construções meramente descritivo-abstratas e em metodologias mecanicistas, assentadas em procedimentos lógico-lingüísticos” (A. C. Wolkmer. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito, 3ª edição. Ed. Alfa Omega, São Paulo,2001. P.59). A defasagem do direito e a superação de valores em que ele se insere, assim como a negação de “subculturas” a margem da letra da lei coloca o dogmatismo positivista como o conhecemos numa posição de “esvaziador” da justiça no direito, que só poderá ser efetivada na sociedade (que aflora e se modifica com maior rapidez a cada dia) quando tomar consciência de sua rigidez em face das outras fontes geradoras do direito justo. Afinal, já dizia Lyra Filho: “Se o Direito è reduzido à pura legalidade, já representa a dominação ilegítima, por força desta mesma suposta identidade.” Yure Tenno 09 de setembro de 2008

O positivismo jurídico

Críticas e esclarecimentos
O direito positivo pode ser identificado como diferenciado das demais formas de apreciação de relações intersubjetivas devido a seu caráter de complexidade, que a partir do direito ocidental, toma na tentativa de adaptar coroar a ascensão capitalista na estrutura mundial. A igualdade formal, além da busca de uma conciliação entre a legalidade e legitimidade, é o maior dos desideratos que se observa dentro do formato positivista. Essas intenções irão dar ensejo a várias outras peculiaridades dessa corrente ideológica, proporcionando, assim, diversos aquinhoamentos de suas capacidades, assim como o nível de “desejabilidade” de um formato tão resumido. O que será aqui perquirido são os pontos de visão possibilitados pela literatura jurídica, percepções e opiniões deliberadas por estas e, assim que possíveis algumas conclusões sobre a matéria. O que podemos inferir inicialmente e tomar, destarte, como pressupostos positivistas, conseqüente das supracitadas intenções dessa ideologia e do novo formato do Estatal moderno, basicamente três diferenciadores, a saber, a pretensão do monopólio por parte do Estado na produção das normas jurídicas (pressuposto que leva Kelsen a afirmar que não existe direito sem o Estado); a segunda, decorrente da primeira, é a crescente importância das fontes estatais em detrimento das fontes espontâneas e extra-estatais do direito; e a terceira e mais vacilante é a relativa “emancipação” da ordem jurídica frente às outras ordens normativas, em outras palavras a afirmação da autopoiese do direito. Essas ponderações expurgaram do direito todo seu conteúdo metafísico, assim como o pluralismo jurídico. O que há é a negação dos pontos de partida que não sejam prescritos pelo estado “normador”, homologando a afirmação kelsiana da redução do direito subjetivo ao momento concreto do direito objetivo, caso contrário há incapacidade de exigibilidade. Com isso, nos sentimos bem aparatados para deliberar sobre algumas proposições sobre o direito positivo na literatura jurídica, suas opiniões vão nos ajudar a entender bem sua natureza e seu alcance no ordenamento atual. Podemos iniciar nossas pesquisas pelo principal expoente dessa corrente, Hans Kelsen, mas essa lógica jurídica ultrapassa e muito as barreiras dos recentes séculos, tempo dos maiores expositores do positivismo, chegando a ser identificado no texto milenar de “A República” de Platão, que trata sobre o assunto através do diálogo travado entre Sócrates e o irritadiço Trasímaco, o trecho a ser exposto inicia-se com a pergunta deste sofista: “– Ora, em cada Estado, não é o governo que detém a força? – exatamente. – Certamente que cada governo estabelece as leis de acordo com sua conveniência: a democracia, leis democráticas; a monarquia, monárquicas; e as outras, da mesma maneira. Uma vez promulgadas essas leis, fazem saber que é justo para os governos aquilo que lhes convém, e castigam os transgressores, a título de que violaram a lei e cometeram uma injustiça. Aqui tens, meu excelente amigo, aquilo que eu quero dizer, ao afirmar que há um só modelo de justiça em todos os estados, o que convém aos poderes constituídos. Ora, estes é que detêm a força. De onde resulta, para quem pensar corretamente, que a justiça é a mesma em toda a parte: a conveniência do mais forte. ”(A república – Platão. Ed. Martim Claret, 2008. P.25) A afirmação peremptória dada por Trasímaco cai tão bem como ponto de partida à análise proficiente dos ares do positivismo por tratar de um dos mais dolorosos calos deste: aonde se encaixa a justiça num ordenamento positivo? Ao se debruçar sobre essa questão Kelsen, faz a mesma afirmação proferida por Trasímaco, de maneira obviamente maquiada. Para este cientista do Direito a justiça só acontece ao direito quando é observada a concreção da prescrição normativa no fato concreto. Essa posição, no entanto, é apenas uma das proposições kelsianas que, em seu conjunto, formam uma série de medidas a serem relevadas pelo jurista, que irão separar por completo o direito das outras relações que influenciam o mesmo. Hoje temos outras posições de juristas positivistas por todo mundo, inclusive aqui no Brasil, no qual podemos destacar o jurista Paulo Nader, que partindo do pressuposto do ordenamento justo, lembra que uma lei injusta pode ter seus efeitos suprimidos se exposto aos contrates de uma hermenêutica a luz do ordenamento jurídico. Afirma ele: “Como este – ordenamento jurídico - não pode apresentar contradição interna, há de ser sempre uma única voz de comando, o conflito deverá ser resolvido e, neste caso, com prevalência da índole geral do sistema” – presume-o, seja boa. O que falta a essas duas afirmações é uma profundidade sobre o assunto, tratado de forma rasa, não chega a esclarecer o que exatamente existe para a feitura da massa do direito, eles mostram apenas e tão somente o direito saído do forno sem ao menos um entendimento zetético sobre a natureza da justiça e, no caso específico de Nader, o otimismo com que ele trata o ordenamento, que pode se “autolimpar” de sua sujeira sem nenhum problema mais grave, chega a ser pernicioso. É a velha estória do conde que puxa seu próprio cabelo para se sair de um poço de lama. Existem ainda dois pensadores da literatura jurídica brasileira que trabalham sobre esse ponto de forma original e interessante, são eles, Luiz Fernando Coelho e Roberto Lyra Filho. Mas, para investigarmos o que esses cientistas têm a dizer, devemos, primeiramente, reincidir sobre o que torna uma teoria propriamente positivista. O que foi compreendido sobre direito positivo neste texto foi basicamente a presença da norma jurídica de autoria estatal e separada de qualquer apreciação das outras fontes de conduta, além da afirmação de um direito subjetivo a partir da existência de um direito objetivo que venha a subsumir-se àquele. O que Lyra Filho põe de novo a nossa compreensão é em relação ao apego a terminologia de que advém o positivismo: reduzir as condições da realidade, sendo assim, qualquer forma posta, seja pelo legislador, pela história ou pela mente dos juízes, são posturas positivistas, pois tratam do direito a partir do que foi posto pela realidade empiricamente demonstrável. O que não é certo, segundo Roberto Lyra Filho, é acrescermos um padrão monístico a realidade, dando assim uma única fonte de escolha à cristalização normativa, encobrindo, por outro lado, o questionamento da legitimidade e a presença de séries de normas, em contra-instituições ou contraculturas que denunciam a situação opressivo-repressiva, deflagrada pela postura jusnaturalista. É assim que se dá a sua construção do modelo dialético, que não abandona o positivismo, muito pelo contrário tende a somar a ele novos apanágios que o possibilitará um fôlego dinâmico e o livrará das injustiças, provenientes das imposições culturais não problematizadas. Ao que foi aqui dito caberá ao próprio Lyra Filho homologar: “O direito, em resumo, se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda. Por isso, é importante não confundi-lo com as normas em que venha a ser vazado, com nenhuma das séries contraditórias de normas que aparecem na dialética social. Estas últimas pretendem concretizar o Direito, realizar a Justiça, mas nelas podem estar a oposição entre a Justiça mesma, a Justiça Social atualizada na História, e a “justiça” de classes e grupos dominadores, cuja ilegitimidade então desvirtua o “direito” que invoca.” (Filho, Roberto Lyra – O que é Direito. Ed. Brasiliense. P.88) O que é relevante notar em Lyra filho é que ele reformula muito o conceito inicial de Direito e também o de justiça mostrando, além disso, uma “incomum” intimidade do Direito com a Justiça. O positivismo para esse autor, diferentemente dos demais deve reconhecer sua origem, afirmando-se assim como sujeito que tem a capacidade de valorar os fatos que se expõem como jurídicos e concebem uma opinião, que deve ser consoante as conquistas das lutas sociais. O direito para ele deve separar-se da norma quando se torna marginal ao processo histórico, ad exemplo, podemos figurar o fato de a paternidade ser hoje comprovada com o auxílio do exame de DNA; legalizado como instrumento decisivo na decisão judiciária. É pela abertura a visão dialética legitimadora do positivismo das lutas sociais e negadora do legalismo elitista que devemos, segundo ele, entender o processo de formação e aplicação jurídico. A partir dessas diretrizes poderemos perguntar, no sentido amplo, o que é Direito (com ou sem lei), e vir a resposta de que ele não é, mas esta sendo, como, também, não pode ter sentido fora do movimento histórico. Outro grande analítico da posição dogmática, Luiz Fernando Coelho, expõe de forma categórica sua visão sobre o positivismo dogmático: “O pensamento do jurista em tais condições é dogmático, não porque se apegue a dogmas, nem porque se fundamente no dogmatismo filosófico, mas simplesmente porque deriva da normatividade das fontes formais do direito, que a teoria tradicional denomina lei, costume, jurisprudência, doutrina e princípios gerais de direito. Em suma, o dogma do direito é a lei, dando-se ao conceito de lei, a maior extensão possível.” (Luiz Fernando coelho, Teoria Crítica do Direito. Ed. Del Rey). Podemos compreender, por fim, que todos os métodos empregados pelos teóricos do direito atual, com exceção dos críticos, são indubitavelmente adeptos mesmo que sobre negação veemente, do positivismo kelseano. Pois na medida em que se lança mão das formas técnicas puras sem uma análise no minimamente zetética sobre o fato, pode-se dizer que envereda pela não observação dos termos factuais de uma sociedade em eterna construção histórica, valoriza-se a norma em detrimento do justo e não há teoria tridimensional do direito que venha a negar a posição dogmática jurídica.

Principais modelos de ideologia jurídica

Análise do capítulo: Principais Modelos de Ideologia jurídica De Roberto Lyra Filho A visão sobre a qual Roberto Lyra Filho enfoca o capítulo “Principais modelos de ideologia jurídica” versa sobre uma análise problemática das ideologias, conjecturando não apenas um ponto de vista restritamente filosófico, mas também desenvolve, sobre uma lente marxista, uma análise político-sociológica sobre tais paradigmas. O autor abre, assim, uma brecha a um novo meio de apreciação das formas ideológica, primeiramente polarizando-as em duas correntes mestras, a saber, positivistas e iurisnaturalistas. Tal posição até certo modo nova serve como esteio a um modo mais claro de fundamentação da linha de pensamento em que Lyra Filho pretende nos guiar. Seu norte é a visão classista em que tenta embeber as pretensões ideológicas, ligando-as visceralmente, embasando essa teoria com férteis argumentos. Mormente através de um implícito silogismo: 1)a superestrutura do Estado esta submetida à infra-estrutura do poder das classes dominantes; 2)um ordenamento jurídico nacional é o conjunto de regras para o estabelecimento e funcionamento do aparelho de força do Estado; o autor infere sobre a principal qualificação das ideologias, como formas solertemente designada, em ultima instância, a ser a argamassa do controle social das classes espoliadoras, que tem o controle do aparelho estatal, sobre as classes espoliadas, tentando, assim, alicerçar as formas ilegítimas como o Estado, em ultima análise, manipular o ordenamento. Destarte, as conceituações tendenciosas sobre a natureza e função do direito, das normas, do ordenamento jurídico, do objeto do direito, que por vezes se funde à norma válida, são apenas e tão somente argumentos abstrativistas, se levarmos em conta a forma como eles prescindem de um aparato dialético, conspicuamente assuntada pelo autor. Veremos ideologias infundadas e subservientes a uma comodidade desejada pelo aparelho estatal, que vaga ao sabor das necessidades das classes dominadoras. As várias formas de justificação ideológicas, que Lyra Filho consubstancia nas já supracitadas correntes primordiais, irão, em ultima instância, reafirmar as condições exploradoras do estado. O revezamento de paradigmas, enquanto advogados da realidade opressora, torna-se necessário, tendo em vista uma eterna evolução, aspirando formas de aparato cada vez mais rígido e infalível que sirva aos interesses superiores, pois a história mostra que os regimes que se restringem a uma única sistemática da vida jurídica entraram numa eterna contradição, embriagados pelas deformações do próprio corpo ideológico. O capitalismo se apresenta, então, como o mais maleável sistema exatamente por seu rico campo de estruturação ideológica. No decorrer de sua história são notáveis as mudanças de roupagem a que ele se propõe. No intuito de se sair das diversas crises a que, de forma indeclinável, o sistema burguês se depara, as cisões das velhas interpretações tornam-se patentes, trazendo a tona às exigências de uma nova forma de compreensão do mesmo fato em que se funda o capitalismo. Se nos concentramos nesse modelo veremos, inicialmente, como trampolim de ascensão ideológica e “militante” basilar à “legitimação” da revolução burguesa, o chamado jusnaturalismo (o autor emprega a forma iurisnaturalismo). Veremos um pouco mais a diante que esse modelo é a primeira ferramenta que os idealistas lançam mão quando necessitam de um fator radical à subsistência de qualquer revolução. A afinidade com que o capitalismo se imbricava ao jusnaturalismo esgotou-se tão logo sua assunção como ordem dominante se confirmou. A partir daí começou a lua-de-mel entre o positivismo e tal modelo, que só tendeu a um relacionamento verdadeiramente arrimado na confiança e interdependência recíproca. Pode-se afirmar que entre o capitalismo e o jusnaturalismo houve apenas uma “apaixonite” casual, um flerte sem maiores importâncias; mas foi com o positivismo que o capitalismo verdadeiramente se casou. Chegando a esse ponto será necessário esclarecer diversas pendências ainda não explanadas sobre o tema em questão, por exemplo, por que a polarização das modalidades ideológicas? Por que a incompatibilidade da formas já existentes como as verdadeiras exigências do Direito? Essas questões serão bem apreciadas e devidamente fundamentadas se nos pusermos a uma meticulosa perquirição sobre essas duas visões e seus principais contrastes. Só assim poderemos nos posicionar de forma verdadeiramente crítica sobre tão relevante assunto. Por outro lado, se nos puséssemos a perquirir sobre o famigerado positivismo, a que Roberto Lyra sistematiza num campo lato senso, veríamos que sua conglobação tem sentido se acatarmos que todas as ideologias unidas nesse setor comungam de um objeto comum, tal objeto pode ser denominado formalismo ético, vale dizer, é a “doutrina segundo a qual é justo o que é conforme a lei, e enquanto tal repele todo critério de o que esteja acima das leis positivas e com base no qual as mesmas leis positivas possam ser valoradas” (Norberto Bobbio; Teoria Geral do Direito, Ed. Martins Fontes, p. 50), se analisarmos de forma mais profunda essa afirmação, que de início parece aplicável ao positivismo estrito, notaremos que o que se torna fundamental ao direito é a preservação da conjuntura estabelecida, traduzida nas leis; a ordem torna-se o fim do direito. Vimos que tal afirmação foi de certa forma, homologada por Lyra Filho quando aponta a principal característica do positivismo como sendo justum quia iussum (justo, porque ordenado), esvaziando da consciência do Direito, qualquer injustiça imputada a norma, visto que “não é um problema jurídico” problematizar ou ilegitimar possíveis injustiças no ordenamento. O que nesse pólo ideológico é totalmente prescindível torna-se questão central no outro extremo, o pólo do direito natural. A norma, para os jusnaturalistas, não existe desligada de um padrão, uma forma já predisposta, um modelo a ser obedecido. Este padrão caracteriza-se como tendo este o condão de ser, de per si, exterior à vontade do Estado, superior a ele e transcendente ao homem, uma forma inalterável, que paira eternamente sobre as cabeças dos mortais. Se aferirmos sobre essa verdadeira antinomia, que se instala entre a norma posta e a norma transcendente se concluirão que suas convicções se desdobram em dois planos, a saber, um metafísico (que se apresenta como imperativo ao “sujeito” passivo lei) e uma ordem temporal estabelecida no ordenamento jurídico; e um problema insolúvel que se torna a questão: como saber se há capacidade deste de exaurir, ou não, aquele, obedecendo aos ditames superiores. Essa confusa relação do direito natural abriu espaço para uma ampla utilização dessa estrutura às convicções de diferentes aspirações e alvos de diferente calibre. Analisando resumidamente a revolução francesa veremos, ela se arrimou no jusnaturalismo como explicação principal à cisão de todos os moldes de antanho para se encaixar em um formato em que é permitido a liberdade pessoal e os outros direitos naturais (note como os revolucionários franceses lançam mão dessa denominação, muito mais intimidadora, aos direito que eles defendem), tais direitos seriam essenciais a consolidação do Estado liberal. Se apoiar ao iurisnaturalismo foi sua forma de se defender das pressões exteriores que divergiam de seu novo regime, apelar a um ser metafísico e imutável como o direito natural torna a revolução francesa uma heroína desses direitos imprescritíveis. “Hegel – quando se refere, em suas lições de filosofia da história, à Revolução Francesa – não pode ocultar sua admiração; e fala também, mais uma vez, do ‘ entusiasmo do espírito’ (Enthusiasmus dês Geistes) pelo qual o mundo foi percorrido e agitado, ‘como se então tivesse finalmente ocorrido à verdadeira conciliação do divino com o mundo’. Chamando-a de uma ‘esplêndida aurora’, pelo que ‘todos os seres pensantes celebraram em uníssono essa época’, expressa com essa metáfora a sua convicção de que, com a Revolução, iniciara-se uma nova época da história, com uma explícita referência à Declaração, cuja finalidade era, a seu ver, a meta inteiramente política de firmar os direitos naturais- ênfase posta-, o principal dos quais é a liberdade, seguido pela igualdade diante da lei, enquanto uma sua ulterior determinação” (Norberto Bobbio, A Era dos Direitos; Ed.Elserve; Pp. 80,81). A partir desse trecho se nota a importância singular que teve a Revolução e, conseqüentemente, a força que mostrou o jusnaturalismo em sua época áurea. Após e antes dos idos 1789 pode-se notar uma sucessão de idas e vindas do iurisnaturalismo no processo histórico. Isso se justifica pela natureza metafísica do direito natural e suas diretrizes um tanto vazias, abrindo espaço a uma infinidade de candidatos a rechear esse vácuo, manipulando assim toda a ideologia como esteio a uma “visão deturpada” sobre a inocente pele de cordeiro jusnaturalista. Ao se entender tal funcionamento, a doutrina dirigiu sérias críticas aos preceitos da Declaração dos Direitos do Homem, proferidas pelos Revolucionários franceses. Tais críticas foram tanto de cunho formal quanto de cunho substancial. Ambas as formas de crítica são possíveis de observação, como, também, direcionadas ao jusnaturalismo (que em alguns pontos pode-se inferir que não há uma coincidência de críticas, mas uma confusão ao direcionamento do verdadeiro alvo). É possível afirmar, com uma pitada de presunção, que os maiores escárnios proferidos a revolução seriam mais bem apreciados se dirigidos ao jusnaturalismo puro, vago em sua matéria e utópicos em sua forma. Cabe-nos perquirir sobre as críticas substanciais, muito mais contundentes que as formais. Essas críticas são de dois tipos. Uma das quais se refere a sua insignificância, ou vacuidade, ou superficialidade desses direitos. Em relação a essa concepção nos valemos de Edmund Burke: “Nós não nos deixamos esvaziar de nossos sentimentos para nos encher artificialmente, como pássaros embalsamados num museu, de palha, de cinzas e de insípidos fragmentos de papel exaltando os direitos do homem”. Bobbio, em seu livro a “A Era dos Direitos” também faz referência a Taine: os artigos da Declaração “não são mais do que dogmas abstratos, definições metafísica, axiomas mais ou menos literários, ou seja, mais ou menos falsos, ora vagos, ora contraditórios, susceptíveis de vários significados opostos”. Note como tais injúrias seriam mais bem aplicadas às formas jusnaturalistas em geral que apenas ao episódio da Revolução. Se nos furtarmos a isso iremos auferir uma confusão crítica, ou no máximo a uma generalização de entendimento ideológico em detrimento de uma discussão voltada ao tema proposto, a Revolução, ponto de maior complexidade e contribuição à forma de sociedade atual. Em contra-senso, a segunda crítica parte do ponto exatamente inverso. Ela é explicitada por Marx e por toda tradição do marxismo teórico: “os artigos que elevaram certas liberdades (e não outras) a direitos naturais- ênfase posta-, além de exaltar a propriedade como sagrada e inviolável, não são excessivamente abstratos, e sim excessivamente concretos, expressão claramente ideológica não de princípios universais, que se preparava para substituir a classe feudal no domínio da sociedade e do Estado” (Op. cit., p.114). A forma como Marx posiciona o direito natural na realidade revolucionária, em função de uma idéia, tem o condão de ser analisado de diferentes formas. Reteremos-nos aos problemas estritamente naturalistas, já que em outra ocasião será analisada a atuação positivista, muito peculiar, nesse conflito. O discurso de Marx se integra perfeitamente ao que Lyra Filho irá denominar de direito natural de combate. Torna-se fácil de entender quando ele esclarece que o uso da forma de compreensão do Direito Natural como tendo origem na própria “natureza das coisas” é usado para revelar o choque de duas ordens sociais (o caso acima aludido coloca a ordem monárquico-feudal contra a ordem liberal-capitalista), mas também pode ser usado como justificativa a uma ordem social estabelecida. A partir desse direito fundamental “cosmológico” surgiram outras duas formas que Roberto Lyra põe: 1) o direito teológico, que pretende deduzir o direito natural da lei divina, muito válido na Idade Média; 2) o direito antropológico, que põe em sena os direitos fundamentais do homem. A partir dessas observações Miaille, focalizando o aspecto oposicionista do direito natural, afirma: “todos os movimentos sociais fundaram-se num ‘Direito’ que exprime a sua própria situação e reivindicação”. Assim é que Miaille vai recomendar um “novo direito natural” de combate e concentrado na luta de classes e na liberação de grupos oprimidos. Dentro dessa orientação os Marxistas voltaram para esse tipo de direito natural. Mas e o inerentes ao jusnaturalismo também aparecem nesse “novo direito natural de combate”, que o autor de “O que é Direito?” apresenta muito claramente: “ele quer evitar o tipo fixo, abstrato, de princípios eternos, mas não consegue nem dar uma noção global de Direito, em que positividade e Justiça se entrosem, nem mostrar de que modo o processo histórico mesmo ganha um perfil jurídico. O inconveniente, aliás, vem de que tratam de dois direitos – o positivo e o natural – sem reperguntar o que é Direto como noção que unifique esses tipos opostos, ou seja, não chegam à visão histórico-social do Direito, mas apenas à oposição histórico-social de dois direitos, que não sabem muito bem por que seriam jurídicos. Isto fica claro – ainda acrescenta – em Miaille quando se fala em “direito” natural de combate, pondo assim entre aspas a palavra Direito, como se não fosse um Direito, como se não fosse um Direito propriamente dito e traindo um vestígio do positivismo de esquerda que só vê Direito - sem aspas – no direito estatal”. Apesar de todos esses esclarecimentos é indubitável o mérito devido à doutrina jusnaturalista, nomeadamente a de combate (lato senso), que fez do indivíduo, e não mais da sociedade, o ponto de partida para a construção de uma doutrina da moral e do direito, retomando o exemplo de maior força de insurreição fulcrada nessa “forma de batalha”: a Revolução Francesa. Poe este Prisma, se tomarmos como ponto de discussão a revolução pode-se analisar o rio de críticas que foram fremidos ao fundamento filosófico da Declaração daquela época, o direito natural. Todas as principais críticas podem se consubstanciar, apesar das diferentes motivações, em seu ponto de partida (a refutação do direito natural), e como ponto de chegada (a busca de um fundamento para o direito, diverso daquele que o põe na natureza originária do homem). A primeira dura crítica filosófica dos direitos naturais, tal como brotaram da cabeça dos constituintes franceses, foi feita em nome do utilitarismo: trata-se de uma demolição dessa fantasiosa invenção de direitos que jamais existiram, já que o direito é produto da autoridade. Não menos contrário a admitir direitos naturais é o historicismo, seja na versão mais estritamente jurídica da Escola Histórica do Direito, que deriva o direito do Espírito do Povo, de cada povo, razão por que cada povo teria o seu direito, sendo a idéia de um direito universal uma contradição em termos; ou seja, na versão filosófica de Hegel, para quem liberdade e igualdade não são algo dado por natureza, mas são, ao contrário, “um produto e resultado da consciência histórica”, que não devem permanecer sob formas abstratas, já que “são precisamente essas que não deixam surgir ou destroem a concreticidade, ou seja, a organização do Estado, uma Constituição e um governo em geral”. A negação do direito natural, finalmente, encontra sua mais radical expressão no positivismo jurídico estrito, que é a doutrina dominante entre os juristas desda a primeira metade do século passado até o fim da segunda Guerra Mundial; concorda com essa doutrina, diga-se de passagem, Hans Kelsen o maior expoente jurídico da primeira metade do século XX. Sua doutrina sempre capta o Direito, quando já vertido em normas; é limitado pela ordem estabelecida que tenha lastro nas normas sociais não legisladas ou se articula no Estado como órgão centralizador do poder. As normas constituem, para o positivismo, o completo Direito. O sistema normativo válido é, para eles, a única manifestação legitima (imposta e rotulada) como Direito. Para o positivismo jurídico, os supostos direitos naturais não são mais do que direitos públicos subjetivos, “direitos reflexos” do poder do Estado, que não constituem um limite ao poder do Estado, anterior ao nascimento do próprio Estado, mas são uma conseqüência da limitação que o Estado impõe a sim mesmo. Para isso Bobbio adverte: Não há dúvida de que o antijusnaturalismo prolongado, pluriargumentado e repetido deixou marca. Dificilmente se poderia hoje sustentar sem revisões teóricas ou concessões práticas, a doutrina dos direitos naturais tal como foi sustentada nos séculos passados. Pode-se muito bem afirmar que não existe outro direito além do direito positivo, sem por isso rechaçar a exigência da qual nasceram as doutrinas dos direitos naturais, que expressam de modo variado exigências de correção, de complementação e de mudança do direito positivo. Essas exigências ganham uma força particular quando são apresentadas como “direitos”, embora não sejam direitos no sentido próprio da palavra, ou seja, no sentido em que, por direito, os juristas entendem ema pretensão garantida pela existência de um poder superior, capaz de obrigar pela força os recalcitrantes, ou seja, daquele poder comum que não existe no estado de natureza que os jusnaturalistas tomam como hipótese. (Op. cit., p.116) Como esse comentário Bobbio refuta ambas as teses apresentadas de forma estanque; coloca o direito natural como uma evolução das necessidades demandadas pela sociedade dentro do processo histórico, não obstante, observando que o poder de validar o direito é imposto por quem detém o poder soberano, mas afasta o caráter hobbesiano de insinuar: seja o que for que elas ordenem, uma vez que apenas quem detém o poder é capaz de decidir o que é essencial e de tornar efetivas as suas decisões. Lyra Filho põe sua posição da forma como é encarada essas doutrinas expressando uma insatisfação com a não aplicabilidade das formas ideológicas a uma não parceria entre tais. O direito não admite mais reestruturações lógicas de ideologias infundáveis e ultrapassadas, ele necessita de uma nova fórmula, a fim de compreender sua própria natureza e seu próprio objetivo, livre do tendecionismo. Não mais maquilar de aparatos inaplicáveis a um modo justo, eficaz e concreto de solução a que o Direito se dispõe. O encaminhamento prático a que Bobbio colocado entre as doutrinas vem a coincidir com a solução dialética que o Lyra Filho tenta colocar. Isto é claro, como na solução dialética marxista e as demais, importam em conservar os aspectos válidos de ambas as posições, rejeitando as demais e reenquadrando as primeiras numa visão superior, elevada; é um Aufhebung (palavra alemã que significa três coisas: destruir, revolucionar; guardar, conservar e, também, elevar. Foi usada pela primeira vez por Hegel, de forma brilhante, com os três significados juntos) do idealismo. Finalizando, é de dizer que o caráter sociológico, essencial ao autor é incorporado por Bobbio ao “direito natural”, que se põe como esclarecedor dos ditames de uma limitação ou prolongação da tutela do Estado e suas relações com o próprio homem e das várias relações humanas. Há ainda o longo caminho a ser corrido, mas, segundo este jurista, o direcionamento é o devido. Yure Tenno João Pessoa, PB

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Defenda sua tese: Protocolo de Kyoto e seus créditos de carbono

Espaço de pesquisa e opiniões. Informe-se e defenda sua tese sobre o assunto postado
PROTOCOLO DE KIOTO – UMA SOLUÇÃO COM SEUS PERIGOS. O Protocolo de Kioto criou um novo mercado, cujas cifras alcançam milhões de Euros. Com ele surgem oportunistas e grandes prejuízos. Em rápida revisão, encontramos o Protocolo de Kioto, documento produzido na Convenção das Partes de nº 03, em 1997, na cidade de Kioto. Sua motivação foi a não aplicabilidade imediata da Convenção Quadro, elaborado em 1992. As mudanças provocadas pelo homem ao clima não pode esperar. Aplicando o princípio do poluidor pagador, o Protocolo de Kioto cria o mercado de créditos de carbono. Indutor de equilíbrio de emissões poluentes e seqüestro dessas.Tem por base um estudo de emissões na década de 1990, e de sua escalada até os dias de hoje, e tem como meta voltar a estes índices, com uma redução de 5% destas. Foi criada a designação Anexo 1 e Não Anexo 1. Estas fazem referência ao maiores e aos menores poluidores mudiais. Anexo 1, os maiores poluidores. O Brasil está elencado como Não Anexo 1, sendo contudo que o crescimento esperado o coloque ao par com os maiores poluidores até o ano de 2012. O prazo determinado para tanto é 2012, sendo o ano de 2008 o prazo para que os signatários Anexo 1 apresentem suas iniciativas iniciais, quais sejam, a criação de sistemas para readequação de parques industriais, a demonstração de redução de suas emissões, ou a aquisição de créditos de carbono, com a conseqüente transferência de renda para fianciamentos de MDL nos países Não Anexo 1. A redução de emissões pura e simples é impensável. O paradigma de “parques industriais”,eprogresso, de mais de 150 anos de revolução, estruturação e modernização de parques fabris, é quasemonolítico. Empurra o empresário a buscar lucros inconseqüentemente. Estabelecidas estas metas de redução de dióxido de carbono, a 7ª Conferência das Partes, em Marakesh, regulamentou o artigo 12 do protocolo. Cuidou da criação de um novo paradigma de produçãoo crescimento sustentável, pela via dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo - MDL–, e da transferência de créditos de não emissão, de países Não-Anexo 1. Com esta prática, atingem-se duas vertentes de solução. Em primeiro lugar, os países Não-Anexo 1 podem obter financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável – via MDL – , com a possível transferência de tecnologia. A segunda, é a aquisição de créditos de não emissão, pelos participantes do Anexo 1, com a transferência simples de metas de países Não-Anexo 1. A grande mudança esperada é a reeducação do empresariado e do mercado, que já exige em muitos casos o “selo ambiental”. A garantia de respeito ambiental na sede da empresa. Grandes empresas, no Brasil, já saíram em busca de seus contratos de venda de crédito. Como exemplo, a grande Gerdau, cujo projeto, será suficiente para cobrir investimentos e ainda sobrar no caixa, apenas com substituição de combustíveis dos altos fornos. As estimativas de valor do CO2 vão de US$ 3,50 a US$ 6,00 a tonelada equivalente. Mas como se vê, pelo exemplo, o projeto deve gerar diferenças a menor, nas emissões, ou seqüestrar carbono, para ser considerado “aprovável”. Deve ser auto-sustentável, com resultados efetivos frente à linha de base e um sistema gerencial coerente e duradouro. O projeto candidato deve apresentar inovações tecnológicas ou soluções empregadas, tanto quanto viabilidade econômica. Há uma estimativa realizada pelo Banco Mundial, segundo a qual os custos de elaboração, encaminhamento e acompanhamento de negociações até a aprovação do crédito atingem a média de US$ 130.000 a US$ 260.000. Com estes valores, poucas empresas têm capacidade econômica individual. Uma solução é a organização de projetos de seqüestro, ou de redução de emissões no âmbito das cooperativas. Com esta, dissolvem-se os custos, implementando-se participação de vários pequenos e médios empresários, cujos ramos de atuação encaixem-se na lista de emissores. Outro ponto a ser melhorado em regime de cooperação é a segurança, jurídica. A preocupação ganhou ares de fato com a detecção de problemas facilmente resolvidos pelo crivo de um bom advogado, e de boas doses de informação. Já houve casos de contratação dos direitos de geração de créditos, por empresas estrangeiras, cujo alvo foram suinocultores, pequenos e médios empresários, desinformados, mal ou não assistidos por advogados, desconhecedores do assunto e de práticas contratuais capazes de gerar graves desequilíbrios. Foram assinados instrumentos, cujos contratantes investem em sistemas de coleta dos dejetos, biodigestores e canalização do metano, para caldeiras de geração de energia. Trazem seus técnicos para o funcionamento do sistema, ficando a cargo do produtor a sua atividade normal. A redução de custos com a energia elétrica e a obtenção de adubo natural são as únicas vantagens perc as, além das instalações então “franqueadas” ao produtor. Os custos de elaboração do projeto são do contratante, que se for aprovado, beneficia-se integralmente da venda do crédito eatinge a compensação de suas emissões, além de um grande lucro em caixa. Apenas para constar, em média, um biodigestor paga-se em dois anos de operação. Sua operação exige conhecimento prático e manutenção periódica. Não demanda técnicos especializados, salvo para os casos de manutenção de geredores de energia. E o desequilíbrio está exatamente neste ponto. O produtor é informado dos elevados custos de elaboração, implantação do projeto, apresentação nos Comitês da ONU e negociação para a aprovação. Num mesmo “pacote” entra a informação dos custos de manutenção, gestão, outros dados absurdos. Obviamente os dados relativos a proveito financeiro são omitidos ou alterados para não despertar a atenção. Como o metano, principal emissão da suinocultura, tem três vezes o poder nocivo do CO2 , vale proporcionalmente mais no mercado. O lucro gerado ao contratante é substancialmente mais elevado que o benefício a ser obtido pelo produtor, que tem sido tratado como mero hospedeiro de um projeto altamente lucrativo. Em duas situações o problema se manifesta, portanto. De um lado o produtor, quando percebe o engodo, torna-se oponente a todas as iniciativas de manejo ambiental. Deixa de haver crescimento sustentável. E por um lado meramente conceitual, o uso indevido do sistema de mercado de carbono corrói sua estrutura, calcada na reeducação, na geração de tecnologia e na transferência de conhecimentos. Repete-se, desta forma, o histórico paradigma industrial/comercial. Vencedores e perdedores:um grande desequilíbrio irmão da ignorância. É necessário um sério trabalho de conscientização e informação, sob pena de grandes danos sociais e novos métodos de escravização do produtor. Ora, o comércio tem por base a busca do melhor preço, das melhores vantagens. Há teorias e mais teorias sobre o equilíbrio entre as partes, e isso vem sendo satisfatoriamente conseguido, tanto no panorama de economias locais, quanto no de economia mundial. O efeito globalização, na prática é muito antigo. Principalmente no que se refere a questões ambientais. É preciso que haja, na esteira deste movimento de redução de emissões poluentes, de que meio for, a adoção de novos paradigmas, como o do investimento em excelência, o qual importa em redução de desperdícios e de custos. O assunto projeto “ambientalmente correto” normalmente exige esforços iniciais, mas compensa em curto espaço de tempo. E um dos mais importantes investimentos neste caminho é o da preparação dos administradores, dos gestores, dos advogados. A complexidade do assunto exige um conhecimento geral e técnico impossível de ser encontrado apenas em um profissional. As imbricações do conhecimento prático criaram inexoravelmente a realidade da transdisciplinariedade, em que o conhecimento de um completa o de outro, gerando um todo indissolúvel. Talvez a maior lição a aprender com este novo mercado e as exigências que dele emergem, seja exatamente a da necessidade de respeito. Cada ativo, seja humano, natural, tangível ou intangível, podem e devem ser utilizados com o respeito devido, para a manutenção da vida de toda uma civilização. Os preços, hoje em dia, tem o componente “respeito ambiental” como um componente cada vez mais importante, seja qual for o produto ou serviço. Luiz Cesar Taborda Alves é, advogado pesquisador em Direito Ambiental, membro da Siqieira Alves e Porto Advogados Associados, Assessor da Ong CEDEA – Centro de Estudos Defesa e Educação Ambiental e da REDE BRASILEIRA PARA CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS E NATURAIS AMIGOS DAS ÁGUAS – ADA.

Crítica ambiental ao protocolo de Kyoto

Protocolo de Kyoto só é bom para o sistema financeiro Tema:EcologiaAutor: Redação 360 GrausData: 1/8/2008 "O Protocolo de Kyoto é inócuo para deter o aquecimento global." A afirmação categórica é da geógrafa italiana Teresa Isenburg, professora do Departamento de Estudos Internacionais da Universidade de Milão, que há décadas se debruça sobre as relações internacionais que envolvem o meio ambiente.Interesses do mercado financeiroPara ela, o documento assinado em 1997 na cidade japonesa acabou atendendo somente os interesses do mercado financeiro, o que pode ser perc o na União Européia, onde os impactos do tratado deveriam ser mais sentidos.Segundo a cientista, a Eco 92, conferência da Organização das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro, trouxe esperanças de mudanças reais de atitudes que não se concretizaram cinco anos depois, em Kyoto. O panorama histórico explicaria isso."Em 1992, os Estados Unidos estavam envolvidos e distraídos com a primeira guerra do Golfo. Cinco anos depois, eles já se apresentavam como a única potência mundial", disse.Mercado mundial de carbonoTeresa aponta que o unilateralismo norte-americano enfraqueceu o multilateralismo "periférico" vigente até então. Além dos Estados Unidos, outros interesses também determinariam o destino da reunião de Kyoto.Com medo da criação de uma taxação para conter emissões de gases causadores do efeito estufa, a iniciativa privada teria se adiantado e apresentado a proposta do mercado mundial de carbono, conforme conta a geógrafa.A vontade do empresariado teria prevalecido e gerado as bolsas de carbono, onde são negociados créditos referentes a esse gás. Cada tonelada de dióxido de carbono não emitida ou seqüestrada da atmosfera em países não-desenvolvidos gera um crédito de carbono, comprado por empresas dos países desenvolvidos para compensar suas próprias emissões e, com isso, cumprir a meta exigida pelo protocolo: reduzir as emissões desses gases de modo que em 2012 elas sejam 5% menor que a quantidade registrada em 1990.Aumento nas emissões"A Itália, por exemplo, começou a investir em projetos na China e no Marrocos, porque não conseguiu diminuir as próprias emissões. Pelo contrário, elas aumentaram", exemplificou.De acordo com a pesquisadora o mercado de carbono se tornou um "jeito barato de mascarar o problema sem resolvê-lo". "Se a Itália fosse reduzir as emissões em seu próprio solo, gastaria 80 euros por tonelada de dióxido de carbono, na China esse valor é de 3 euros e a Itália não precisa parar de poluir", afirmou.Taxação sobre o petróleoA professora da Universidade de Milão também criticou a ausência nas negociações de Kyoto de propostas que previssem taxação sobre o petróleo. "Seria muito simples, o recolhimento das taxas formaria um fundo internacional que financiaria as mudanças para fontes mais limpas de energia", apontou.Como exemplo da força dos tratados internacionais, ela cita a eliminação do tráfico de escravos em 1815, pelo Congresso de Viena, que atingiu uma fonte de energia importante para a economia da época. "Outro ponto negligenciado no protocolo foram os países produtores de petróleo que mantêm uma economia dependente do produto e não assumiram compromissos de mudança", disse.Participação da sociedade civilComo solução, Teresa aposta na participação da sociedade civil, que até agora teria se mantido à margem das discussões. No caso de Kyoto, a resposta ao problema ambiental do aquecimento foi entregue ao sistema financeiro que, segundo ela, não resolve o problema e ainda procura ganhar dinheiro com isso. "A sociedade civil tem que se levantar e retomar elementos importantes que estão sendo desapropriados, como água, ar e as diversas formas de vida", disse.