terça-feira, 9 de setembro de 2008

O positivismo jurídico

Críticas e esclarecimentos
O direito positivo pode ser identificado como diferenciado das demais formas de apreciação de relações intersubjetivas devido a seu caráter de complexidade, que a partir do direito ocidental, toma na tentativa de adaptar coroar a ascensão capitalista na estrutura mundial. A igualdade formal, além da busca de uma conciliação entre a legalidade e legitimidade, é o maior dos desideratos que se observa dentro do formato positivista. Essas intenções irão dar ensejo a várias outras peculiaridades dessa corrente ideológica, proporcionando, assim, diversos aquinhoamentos de suas capacidades, assim como o nível de “desejabilidade” de um formato tão resumido. O que será aqui perquirido são os pontos de visão possibilitados pela literatura jurídica, percepções e opiniões deliberadas por estas e, assim que possíveis algumas conclusões sobre a matéria. O que podemos inferir inicialmente e tomar, destarte, como pressupostos positivistas, conseqüente das supracitadas intenções dessa ideologia e do novo formato do Estatal moderno, basicamente três diferenciadores, a saber, a pretensão do monopólio por parte do Estado na produção das normas jurídicas (pressuposto que leva Kelsen a afirmar que não existe direito sem o Estado); a segunda, decorrente da primeira, é a crescente importância das fontes estatais em detrimento das fontes espontâneas e extra-estatais do direito; e a terceira e mais vacilante é a relativa “emancipação” da ordem jurídica frente às outras ordens normativas, em outras palavras a afirmação da autopoiese do direito. Essas ponderações expurgaram do direito todo seu conteúdo metafísico, assim como o pluralismo jurídico. O que há é a negação dos pontos de partida que não sejam prescritos pelo estado “normador”, homologando a afirmação kelsiana da redução do direito subjetivo ao momento concreto do direito objetivo, caso contrário há incapacidade de exigibilidade. Com isso, nos sentimos bem aparatados para deliberar sobre algumas proposições sobre o direito positivo na literatura jurídica, suas opiniões vão nos ajudar a entender bem sua natureza e seu alcance no ordenamento atual. Podemos iniciar nossas pesquisas pelo principal expoente dessa corrente, Hans Kelsen, mas essa lógica jurídica ultrapassa e muito as barreiras dos recentes séculos, tempo dos maiores expositores do positivismo, chegando a ser identificado no texto milenar de “A República” de Platão, que trata sobre o assunto através do diálogo travado entre Sócrates e o irritadiço Trasímaco, o trecho a ser exposto inicia-se com a pergunta deste sofista: “– Ora, em cada Estado, não é o governo que detém a força? – exatamente. – Certamente que cada governo estabelece as leis de acordo com sua conveniência: a democracia, leis democráticas; a monarquia, monárquicas; e as outras, da mesma maneira. Uma vez promulgadas essas leis, fazem saber que é justo para os governos aquilo que lhes convém, e castigam os transgressores, a título de que violaram a lei e cometeram uma injustiça. Aqui tens, meu excelente amigo, aquilo que eu quero dizer, ao afirmar que há um só modelo de justiça em todos os estados, o que convém aos poderes constituídos. Ora, estes é que detêm a força. De onde resulta, para quem pensar corretamente, que a justiça é a mesma em toda a parte: a conveniência do mais forte. ”(A república – Platão. Ed. Martim Claret, 2008. P.25) A afirmação peremptória dada por Trasímaco cai tão bem como ponto de partida à análise proficiente dos ares do positivismo por tratar de um dos mais dolorosos calos deste: aonde se encaixa a justiça num ordenamento positivo? Ao se debruçar sobre essa questão Kelsen, faz a mesma afirmação proferida por Trasímaco, de maneira obviamente maquiada. Para este cientista do Direito a justiça só acontece ao direito quando é observada a concreção da prescrição normativa no fato concreto. Essa posição, no entanto, é apenas uma das proposições kelsianas que, em seu conjunto, formam uma série de medidas a serem relevadas pelo jurista, que irão separar por completo o direito das outras relações que influenciam o mesmo. Hoje temos outras posições de juristas positivistas por todo mundo, inclusive aqui no Brasil, no qual podemos destacar o jurista Paulo Nader, que partindo do pressuposto do ordenamento justo, lembra que uma lei injusta pode ter seus efeitos suprimidos se exposto aos contrates de uma hermenêutica a luz do ordenamento jurídico. Afirma ele: “Como este – ordenamento jurídico - não pode apresentar contradição interna, há de ser sempre uma única voz de comando, o conflito deverá ser resolvido e, neste caso, com prevalência da índole geral do sistema” – presume-o, seja boa. O que falta a essas duas afirmações é uma profundidade sobre o assunto, tratado de forma rasa, não chega a esclarecer o que exatamente existe para a feitura da massa do direito, eles mostram apenas e tão somente o direito saído do forno sem ao menos um entendimento zetético sobre a natureza da justiça e, no caso específico de Nader, o otimismo com que ele trata o ordenamento, que pode se “autolimpar” de sua sujeira sem nenhum problema mais grave, chega a ser pernicioso. É a velha estória do conde que puxa seu próprio cabelo para se sair de um poço de lama. Existem ainda dois pensadores da literatura jurídica brasileira que trabalham sobre esse ponto de forma original e interessante, são eles, Luiz Fernando Coelho e Roberto Lyra Filho. Mas, para investigarmos o que esses cientistas têm a dizer, devemos, primeiramente, reincidir sobre o que torna uma teoria propriamente positivista. O que foi compreendido sobre direito positivo neste texto foi basicamente a presença da norma jurídica de autoria estatal e separada de qualquer apreciação das outras fontes de conduta, além da afirmação de um direito subjetivo a partir da existência de um direito objetivo que venha a subsumir-se àquele. O que Lyra Filho põe de novo a nossa compreensão é em relação ao apego a terminologia de que advém o positivismo: reduzir as condições da realidade, sendo assim, qualquer forma posta, seja pelo legislador, pela história ou pela mente dos juízes, são posturas positivistas, pois tratam do direito a partir do que foi posto pela realidade empiricamente demonstrável. O que não é certo, segundo Roberto Lyra Filho, é acrescermos um padrão monístico a realidade, dando assim uma única fonte de escolha à cristalização normativa, encobrindo, por outro lado, o questionamento da legitimidade e a presença de séries de normas, em contra-instituições ou contraculturas que denunciam a situação opressivo-repressiva, deflagrada pela postura jusnaturalista. É assim que se dá a sua construção do modelo dialético, que não abandona o positivismo, muito pelo contrário tende a somar a ele novos apanágios que o possibilitará um fôlego dinâmico e o livrará das injustiças, provenientes das imposições culturais não problematizadas. Ao que foi aqui dito caberá ao próprio Lyra Filho homologar: “O direito, em resumo, se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda. Por isso, é importante não confundi-lo com as normas em que venha a ser vazado, com nenhuma das séries contraditórias de normas que aparecem na dialética social. Estas últimas pretendem concretizar o Direito, realizar a Justiça, mas nelas podem estar a oposição entre a Justiça mesma, a Justiça Social atualizada na História, e a “justiça” de classes e grupos dominadores, cuja ilegitimidade então desvirtua o “direito” que invoca.” (Filho, Roberto Lyra – O que é Direito. Ed. Brasiliense. P.88) O que é relevante notar em Lyra filho é que ele reformula muito o conceito inicial de Direito e também o de justiça mostrando, além disso, uma “incomum” intimidade do Direito com a Justiça. O positivismo para esse autor, diferentemente dos demais deve reconhecer sua origem, afirmando-se assim como sujeito que tem a capacidade de valorar os fatos que se expõem como jurídicos e concebem uma opinião, que deve ser consoante as conquistas das lutas sociais. O direito para ele deve separar-se da norma quando se torna marginal ao processo histórico, ad exemplo, podemos figurar o fato de a paternidade ser hoje comprovada com o auxílio do exame de DNA; legalizado como instrumento decisivo na decisão judiciária. É pela abertura a visão dialética legitimadora do positivismo das lutas sociais e negadora do legalismo elitista que devemos, segundo ele, entender o processo de formação e aplicação jurídico. A partir dessas diretrizes poderemos perguntar, no sentido amplo, o que é Direito (com ou sem lei), e vir a resposta de que ele não é, mas esta sendo, como, também, não pode ter sentido fora do movimento histórico. Outro grande analítico da posição dogmática, Luiz Fernando Coelho, expõe de forma categórica sua visão sobre o positivismo dogmático: “O pensamento do jurista em tais condições é dogmático, não porque se apegue a dogmas, nem porque se fundamente no dogmatismo filosófico, mas simplesmente porque deriva da normatividade das fontes formais do direito, que a teoria tradicional denomina lei, costume, jurisprudência, doutrina e princípios gerais de direito. Em suma, o dogma do direito é a lei, dando-se ao conceito de lei, a maior extensão possível.” (Luiz Fernando coelho, Teoria Crítica do Direito. Ed. Del Rey). Podemos compreender, por fim, que todos os métodos empregados pelos teóricos do direito atual, com exceção dos críticos, são indubitavelmente adeptos mesmo que sobre negação veemente, do positivismo kelseano. Pois na medida em que se lança mão das formas técnicas puras sem uma análise no minimamente zetética sobre o fato, pode-se dizer que envereda pela não observação dos termos factuais de uma sociedade em eterna construção histórica, valoriza-se a norma em detrimento do justo e não há teoria tridimensional do direito que venha a negar a posição dogmática jurídica.

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